quinta-feira, 30 de junho de 2016

73. Fatos e Factos


Bruno de Carvalho, acerca do jogador André Carrillo:
«A verdade dos fatos é que estava tudo acordado para a negociação do contrato, e de repente o jogador voltou atrás na palavra».
Expresso - Revista, 25 de junho de 2016, p. 33.

Em Portugal, na palavra «factos», o cê é claramente pronunciado, razão pela qual deve ser grafado. É portanto «facto» e não «fato». Ademais, situação é até expressamente prevista na Base IV do Acordo Ortográfico:
«c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção» (sublinhado nosso). 
O mesmo é dizer, escreve-se «facto» em Portugal e «fato» no Brasil. A situação, portanto, não se altera. 

Admito que a entrevista possa ter sido transcrita por um estagiário, ou similar, mas mesmo assim é fraca desculpa para tal descuido num jornal de referência.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

72. Política estrangeira e Política externa


A propósito do Brexit, tem sido divulgado à saciedade nas redes sociais e nos «media» um excerto de um vídeo da conhecida série britânica, «Sim, Senhor Ministro», no qual, a dado passo, se diz:
«A Inglaterra tem, há 500 anos, a mesma política estrangeira».
«Sim, Senhor Ministro», RTP Memória.

A expressão utilizada por Sir Humphrey Appleby, o sarcástico chefe de gabinete do ministro da Administração Interna inglês, é foreign policy, cuja tradução mais adequada seria «política externa» e não a mais literal «política estrangeira». Ainda que foreign também seja estrangeiro e essa até seja a aceção mais comum. Estaria bem se, por exemplo, se referisse ao Foreign Office, cuja tradução seria, então sim, Ministério dos Negócios Estrangeiros.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

71. Há e À


A propósito do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia:
«Urnas fecham às 22h00 e não haverá sondagem boca das urnas»
Jornal da Noite, SIC, 23 de junho de 2016.

A coexistência, na mesma frase e com grande proximidade, de dois tempos do verbo «haver» - «haverá» e «há» - poderia fazer soar as campainhas de alarme, mas não fez! Ali, teria de estar evidentemente «à», isto é, a contração da preposição «a» com o artigo definido «a».

segunda-feira, 20 de junho de 2016

70. A moral ou O moral


A propósito da presença da seleção no Euro 2016:
«Naturalmente, a moral está em alta».
RTP3, 18 de junho de 2016, 12h19.

Era inevitável que a propósito da seleção nacional lá viesse novamente «a moral» em alta, em lugar de «o moral» em alta. A frase diz respeito ao moral, ao estado de espírito,  ao ânimo, e não à moral , aos princípios e os valores que regem a conduta do homem.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

69. Provem ou Provém


«O CM sabe que grande parte [dos créditos em risco] provem da gestão de Santos Ferreira».
Correio da Manhã, 17 de junho de 2016, p. 4.

O que ali deveria estar era «provém», a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo «provir», e não «provem», a terceira pessoa do plural do presente do conjuntivo do verbo «provar». A confusão advém por paronímia: «provem» e «provém» são termos semelhantes na forma, mas com significados diferentes. «Prover» é, naquele sentido, advir, resultar, ter origem em, «provar» é fazer prova.

terça-feira, 14 de junho de 2016

68. Cúmulo jurídico acumulado


«[Vale e Azevedo] cumpriu pena ao abrigo de um processo de extradição que o trouxe de Inglaterra para Portugal, num cúmulo jurídico acumulado de 11 anos e meio [...]»

Foi uma intervenção em direto, ou seja, sem preparação, e onde, portanto, o erro pode ocorrer com mais facilidade. Mas, de facto, «cúmulo» já é, por definição, uma acumulação. Não carece pois de lhe juntar o acumulado. Cúmulo [jurídico] acumulado insere-se na categoria dos pleonasmos viciosos, sempre de evitar.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

67. Há e À

«[...] mas medida que os dias passam e que a Alvalade não chega a proposta de 30 milhões de euros [pelo jogador Slimani] [...]»
A Bola, 8 de junho de 2016, p. 18.

Teria de ser «à» («à medida que os dias passam») e não «há» («há medida que os dias passam»), ou seja, ter-se-ia de usar a contração da preposição «a» com o artigo definido «a». «Há» é uma forma do verbo haver, com o sentido de «existir», usada frequentemente em expressões de tempo, como por exemplo em: «há já alguns dias que não chegam propostas a Alvalade». É possível que seja esta a origem da confusão...

quinta-feira, 9 de junho de 2016

66. Vetado ou Votado


«"Eles estão vetados ao fracasso desde que começaram", diz ao Observador Nick Wittney, antigo diretor da Agência Europeia de Defesa e atual investigador sénior do European Council on Foreign Relations.»

O Estado Islâmico está votado ao fracasso, ou seja, está destinado ao fracasso, e não vetado, que significa suspenso, impedido, proibido. Votar e vetar são verbos parónimos, ou seja, com grafia semelhante mas sentido diferente, sendo essa certamente a razão da confusão. 

domingo, 5 de junho de 2016

65. Pião ou Peão


«[Frederico Carvalho] foi assim mais um pião no esquema que estava montado há mais de cinco anos  por compatriotas seus».
Correio da Manhã, 3 de junho de 2016, p 10.

O espião português não foi um «pião» no tal esquema de espionagem que refere a notícia mas sim um «peão». «Pião» é o antigo brinquedo de madeira que se lança com a ajuda de um fio e que gira sobre si próprio ou o movimento inopinado de um automóvel que roda sobre si próprio na sequência de um acidente, «peão» é o soldado de infantaria, um dos mais comuns e menos importantes de um exército, ou ainda uma das peças menores do xadrez. É justamente «peão», e nessa aceção, de peça menor, com pouca importância, de joguete de interesses maiores, que a palavra é utilizada na notícia.
É mais um caso de palavras homófonas, ou seja, com a mesma pronúncia mas grafias diferentes.

sábado, 4 de junho de 2016

64. «Modus vivendi» ou Modo de vida



«O Vítor Baptista [... ] ele tinha esse talento mas tinha também muito de excentricidade que se refletia um pouco até no modus vivendi dele, nas roupas que usava, para a época [...]»
Toni, Documentário Expresso sobre Vítor Baptista, maio 2016, 17m40.

O uso da expressão latina modus vivendi, literalmente «maneira de viver», tem-se vindo a expandir. Começou por ser usado para caracterizar um «modo de vida», uma situação de coexistência entre duas partes desavindas - ex.: «antes de sair o divórcio, estabeleceram em casa o seu «modus vivendi»; ou «após os atentados, israelitas e palestinianos tentam encontrar um modus vivendi». Expandiu-se depois para um «modo de vida» possível que resulta de uma adequação face a uma situação anterior - ex.: após a falência, arranjou um emprego modesto e encontrou o seu modus vivendi; ou «colocado na ilha, o professor criou o seu próprio modus vivendi». Ou mesmo, como é usado na frase acima, para caracterizar um modo de vida peculiar, diferente, que sai da norma...