sábado, 28 de maio de 2016

63. Indiscritível ou Indescritível



«E o que se seguiu não foi melhor do que esta barbárie indiscritível

A barbárie não é «indiscritível» mas sim «indescritível», ou seja, tão horrível que não se pode descrever. A palavra é formada pelo prefixo latino «in-», com o sentido de negação, e pelo adjetivo «descritível», significando algo que se pode descrever, algo suscetível de descrição. É possível que o erro advenha da confusão com palavras de grafia próxima como «indiscrição», mas com outra raiz etimológica. É aliás bastante comum a confusão por paronímia entre «discrição» e «descrição» (1, 2).

quinta-feira, 26 de maio de 2016

62. Trilogia ou Triologia


«José Rodrigues dos Santos assume que o seu novo livro tem afirmações politicamente incorretas. Por isso, talvez não se espante ao ver o que diz o deputado do PCP Miguel Tiago sobre uma teoria que está na triologia de que faz parte o romance que acaba de lançar, o Pavilhão Púrpura».

Tem de ser «trilogia» (tri + lo + gi + a), palavra que provém do grego trilogía, significando um conjunto de três obras literárias, peças musicais, filmes, etc., que se complementam. Embora também exista a palavra «trio» (do italiano trio), igualmente significando um conjunto de três, sendo certamente daí que advém a confusão.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

61. A importância da vírgula

«Os poltergeist não existem, só nos filmes».
Umberto Eco - Número zero. Lisboa: Gradiva, 2016, 4.ª ed., p. 11.

Eis como a colocação da vírgula pode influenciar o sentido da frase. Com ela, a frase significa que os poltergeist não existem na realidade, mas apenas nos filmes. Sem ela, a frase significa que os poltergeist existem de facto e não apenas nos filmes. Olho para esta frase e lembro-me sempre da «piada» do oposicionista ao Estado Novo que foi surpreendido pela PIDE a grafitar uma parede com a frase: 

FORA SALAZAR NÃO FAZ FALTA À NAÇÃO. 

Na iminência de ser preso, afirma: 

- Esperem, ainda não acabei. E pontua a frase: 

FORA SALAZAR? NÃO. FAZ FALTA À NAÇÃO.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

60. Vírgula entre o sujeito e o verbo


Os  heróis não desistem, insistem!

Mais um dia... Mais desafios!
O despertador tirou-te cedo demais da cama?
O autocarro quis testar as tuas aptidões de velocista?
E os emails, não páram de chegar?

«E os emailsnão páram de chegar?» Assim reza o poema acima de um recente anúncio da Actimel, separando por vírgula o que não deve ser separado, ou seja, o sujeito (emails) do verbo (não páram). Acontece demasiadas vezes...

domingo, 15 de maio de 2016

59. Hostes ou Hostilidades

«Woody abre hostes em La Croisette»

O que ali se quer dizer é «abrir as hostilidades», literalmente, «começar a guerra», metaforicamente, «inaugurar a competição», no caso a edição de 2016 do Festival de Cannes. O «hostes» será, pois, uma redução de «hostilidades» e não - claro está - exército ou multidão. Confesso que nunca tinha visto.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

58. Anos luz ou Anos-luz



«[Rui Vitória] está ainda a anos luz do seu colega [Jorge Jesus].»
Eduardo Barroso - «Um campeonato mentiroso». A Bola, 4 de maio de 2016, p. 36.

«Ano-luz» ou «anos-luz» constituem uma única palavra composta por justaposição (anos + luz). O caso ilustra bem a importância da revisão de texto nos jornais. É que o articulista, cujo texto não foi revisto, errou, mas o jornalista, que fez o destaque, grafou-a bem...

terça-feira, 3 de maio de 2016

57. Ansiólitico ou Ansiolítico


«Prescrição de ansióliticos»...»
Jornal da Uma, TVI24, 3 de maio de 2016, 14h02.

É palavra muito em voga hoje em dia, de onde, pela «habituação», a acentuação já não deveria falhar. A sílaba tónica é «lí» e não «o». Teria, pois, de ser grafado «ansiolítico», e não «ansiólitico». Basta, aliás, por analogia, pensar em «lítico», para se intuir da implausibilidade daquele acento.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

56. Canasta ou Canastra


«Vendiam peixe com a canasta à cabeça» (vertical 4)
Palavras Cruzadas, Expresso, Revista, n.º 2270, 30 abr. 2016, p. 104.

A palavra era Varinas, mas o que a varina leva à cabeça é a «canastra», ou seja, o cesto, e não a «canasta», isto é, o jogo de cartas.
Para além da confusão, advinda da paronínima, são palavras de grafia próxima mas de sentido diferente, o mais curioso é o erro existir justamente num jogo de palavras...

domingo, 1 de maio de 2016

55. Palissada ou Lapalissada


Fazendo a antevisão do FCP-Sporting:
«Quem ganha, ganha mais coisas. Quem perde, perde mais coisas. Isso é uma verdade palissiana».
José Peseiro, Notícias 24, TVI24, 30 de abril de 2016, 9h07.

No caso em apreço, teria de ser «lapalissada», ou quando muito «lapaliçada», uma vez que a palavra provém do nome do militar francês Jacques II de Chabannes, mais conhecido por Jacques de La Palisse, que também pode ser grafado La Palice. «Lapalissada» designa uma evidência, um truísmo, que terá ficado a dever-se à letra de uma canção composta pelos seus soldados depois da sua morte em batalha, cujo último verso seria: «S'il n'était pas mort, il ferait encore envie»; literalmente, «Se ele não estivesse morto, ainda faria inveja [aos vivos]» e que terá sofrido duas corruptelas:«ferait» ter-se-á transformado em «serait», por causa do «s» longo que se confundia com o «f», e «envie» ter-se-á transformado em «en vie», resultando em: «S'il n'était pas mort, il serait encore en vie», isto é, «Se não estivesse morto, ainda estaria vivo».

No caso, a confusão resulta, por certo, da consideração apenas de «Palice» («palissada») em vez de «La Palice» («lapalissada»).