segunda-feira, 23 de novembro de 2015

35. Compreensível ou Compreensivo


«Um estudo, publicado no site Plos One, comprova que aqueles que leem o livro em papel são mais compreensíveis e sensíveis do que aqueles que usam um aparelho digital, e sabemos que compreensão e sensibilidade podem ser mais atraentes que um olhar 43».

«Compreensível» é «aquilo que pode ser compreendido», aquilo que é inteligível. «Compreensivo» é «aquele que compreende ou consegue compreender o outro» («fulano é compreensivo»). «Compreensível» pode aplicar-se a objetos («aquele livro é compreensível») ou a atitudes, comportamentos, reações («a atitude de x é compreensível» ). «Compreensivo» aplica-se a pessoas. Alguém «compreensivo» é alguém que compreende. Alguém «compreensível», ainda que pouco usado para qualificar pessoas, poder-se-á, quando muito, referir a alguém que podemos compreender ou entender. O que se queria referir ali era claramente que quem lê livros em papel é mais «compreensivo», ou seja, é alguém com melhores capacidades para compreender/entender/aceitar os outros, alguém mais tolerante, alguém mais compassivo.

sábado, 21 de novembro de 2015

34. Deslise ou Deslize


«Em Português, se faz favor, de Helder Guégués, é de facto um guia fundamental para escrever bem, e quando ontem lhe peguei surpreendi-me a abanar a cabeça, descobrindo-me pecador de "Alguns erros mais comuns". Daí que o remédio será lê-lo de fio a pavio e tê-lo à mão para evitar deslises».
José Rentes de Carvalho, Tempo contado, «Sem favor, antes grato», 18 de novembro de 2015.

Não resisto em partilhar esta, não tanto para assinalar o erro. Mas porque o erro ocorreu numa palavra que significa justamente erro e é usada num contexto em que o erro é de português... Na realidade «deslise» grafa-se «deslize». O erro, relativamente comum, ocorre pelo facto de haver muitas palavras em que o «s» tem o valor de «z», ainda que isso aconteça entre vogais. Registe-se que se usa «z» na maior parte dos verbos terminados em «-izar» e em palavras da mesma família: «ajuizar» e «juízo», «civilizar» e «civilização», «finalizar» e «finalização», «organizar» e «organização», «realizar» e «realização», «utilizar» e «utilização». E obviamente «deslizar» e «deslize».

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

33. Obrigado ou Obrigada


O presidente do BCP termina a sua intervenção à saída do Palácio de Belém com um sonoro e bem pronunciado: «Muito obrigada».
Nuno Amado, RTP18 de novembro de 2015

«Muito obrigado» tem ali o valor de «estou-vos agradecido/reconhecido/grato [por me ouvirem]» pelo que tem de concordar em género com a pessoa que agradece: Nuno Amado dirá «muito obrigado»; se fosse uma mulher diria, «muito obrigada. Neste último caso, ou seja, dito por mulher, e entendido como uma interjeição, ainda poderia ser «muito obrigado». Mas dito por Nuno Amado nunca pode ser «muito obrigada», só pode mesmo ser «muito obrigado».

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

32. Sobre ou Sob (1)


«O julgamento [de Luaty Beirão e demais "arguidos"] começou sobre forte pressão policial [...]».
TVI, Jornal da Uma, 16 de novembro, 14h02.

O que ali se queria dizer era «sob», ou seja «debaixo de» uma forte pressão policial, e não «sobre». As preposições «sob» e «sobre» são antónimas: «sobre» reporta-se com frequência a uma posição de superioridade relativamente a algo («por cima de») e «sob» a uma posição de inferioridade («por baixo de»). «Sob» provém da preposição latina «sub», «sobre» provém da preposição latina «super». «Sub-» como prefixo ou elemento de composição surge em palavras como: subaquático, subterrâneo, subsolo, subalterno, subjugar, submeter, submergir; e «sobre-» em palavras como sobreloja, sobrecapa, sobreabundância, sobrenatural ou sobretaxa.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

31. Francófona ou Francesa


«Rui Neumann é jornalista em França, e em Paris, há mais de 20 anos, e acompanha estes temas de segurança francófona».
SIC, Jornal da Noite, 16 de novembro de 2015, 21h11.

Às vezes quer-se adornar o discurso e erra-se. Apesar da sobreposição, o que a jornalista, autora da reportagem sobre os atentados terroristas em França, queria dizer era «segurança francesa», ou seja, a segurança em França, dos naturais, habitantes ou cidadãos de França, e não a «segurança francófona», ou seja, a segurança daqueles que falam francês ou que o têm como língua oficial ou dominante.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

30. Cheque mate ou Xeque-mate


«[António Costa] Deu a provar a Cavaco o seu próprio veneno, atropelou a coligação de direita, fez orelhas moucas à moral e aos bons costumes, mandou eleger Ferro Rodrigues contra as convenções e prepara-se para um cheque mate - mesmo que Cavaco não lhe dê posse sairá sempre com mais do que na noite em que todos o davam como derrotado».
Luís Osório - Opinião «Costa não é um ‘bonzinho’», Sol, 13 de novembro de 2015.

«Cheque mate» não existe. O que existe é «xeque-mate», expressão utilizada no xadrez para designar a jogada final de ataque ao rei, em que este fica sem possibilidade de fuga ou defesa. «Cheque» é uma ordem bancária de pagamento ou um vale que confere um determinado desconto. A confusão advém provavelmente da homofonia, já que «cheque» e «xeque» se pronunciam do mesmo modo, mas têm significados e grafias diferentes.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

29. Solarengo ou Soalheiro (2)


«O mês de novembro tem batido recordes de temperaturas altas para esta altura do ano. Um pouco por toda a Europa os dias têm sido amenos e solarengos
Metro, 16 de novembro de 2015, p. 12.

Que este é um erro recorrente aqui se comprova, com poucos dias de intervalo. Já o havíamos referido, mas vamos sublinhá-lo, uma vez mais, «solarengo» significa «relativo ou pertencente a um solar», isto é, a uma casa nobre. O que ali se queria dizer era «soalheiro», ou seja, «iluminado pelo sol». A etimologia explica, «solarengo» provém de «solar + -engo», «soalheiro» provém de «soalhar + -eiro». Não tem razão o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa que as dá como sinónimas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

28. Solarengo ou Soalheiro (1)


«Não se soubesse que lá dentro [Parlamento] decorria uma tensa discussão sobre o futuro do país e poderia dizer-se que, para alguns, esta escadaria é o local ideal para passar uma tarde solarenga e relaxada».
Diário da Manhã, TVI, 10 de novembro de 2015, 8h28.

«Solarengo» significa «relativo ou pertencente a um solar», isto é, a uma casa nobre. O que ali se queria dizer era «soalheiro», ou seja, «iluminado pelo sol». A etimologia explica, «solarengo» provém de «solar + -engo», «soalheiro» provém de «soalhar + -eiro». Não tem razão o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa que as dá como sinónimas.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

27. Desfolhar ou Folhear

«Nós ainda hoje no Parlamento assistimos a um desfolhar de jornais [...]».
Diogo Feio (em frente-a-frente com João Galamba), Jornal das 9, SIC Notícias, 9 de novembro de 2015, 21h32.

Obviamente que neste caso não é «desfolhar» jornais mas sim «folhear» jornais. «Desfolhar» significa «tirar as folhas, as pétalas», «folhear» é «virar as folhas de um livro, jornal, revista ou folheto». A ocorrer, por absurdo, desfolhar um jornal equivaleria a «arrancar-lhe» as folhas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

26. Baco ou Báculo



«D. José Carvalho já é bispo de Setúbal.
O novo bispo de Setúbal recebeu o anel, a coroa e o baco durante a homilia».

É quase incompreensível como um erro destes ocorre. O bispo de Setúbal recebeu o «báculo», não o «baco». «Báculo» é o bordão usado em cerimónias litúrgicas pelos bispos; «baco» é - diz-me o Priberam - um caixão para lavagem de diamantes. Báculo, em sentido lato, é o cajado usado pelos pastores que serve de apoio e de ajuda à condução do gado. Tem amiúde uma extremidade curva para puxar a rês para junto de rebanho e uma extremidade bicuda que serve para atacar e ferir o lobo. Em sentido restrito, refere-se ao báculo episcopal que simboliza o papel de «pastor» do «rebanho» divino (fiéis). É possível que a confusão aqui seja entre «báculo» e o antropónimo «Baco», o deus romano do vinho.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

25. Juíz ou Juiz


«Caso Ricardo Salgado não apresente o dinheiro ou bens nesse valor, o juíz Carlos Alexandre “pode reduzir o montante que foi determinado ou propor outras medidas de coacção”».

«Juiz» é uma palavra aguda, ou seja, com acento tónico na última sílaba. Segundo as regras de acentuação, as palavras agudas não levam acento gráfico no i tónico, quando este não forma ditongo com o u anterior e está seguido de z em fim de sílaba, como acontece por exemplo em «raiz». Assim, a palavra «juiz» não leva acento na vogal i. É possível que a confusão advenha do feminino, «juíza», e dos respetivos plurais, «juízes» e «juízas».

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

24. Ao molhe ou Ao molho


«Cuidado com eles. Sinais vermelhos? Mentira, não existem. E o respeito a conduzir? Também não. É tudo ao molhe. Taxistas, motos, autocarros, carros...»
Marco Silva, Expresso, Primeiro Caderno, de 24 de outubro de 2015, p. 38.

A expressão «ao molho» significa em grande número, em grande quantidade, de maneira confusa e pouco planeada. Tem ainda outras equivalentes de cunho popular: «à molhada», «tudo ao molho», «todos ao molho», «tudo ao molho e fé em Deus». É possível que se trate de uma redução da expressão «aos molhos». Ao passo que «molhe» é o paredão que avança pelo mar dentro, à entrada de um porto, e que permite quebrar o ímpeto das ondas e servir de abrigo aos navios. O que ali se queria dizer era obviamente «ao molho» e não «ao molhe». Terá sido porventura um problema de transcrição motivado pela paronímia, ou seja, palavras com diferente significado, mas semelhantes na escrita e na pronúncia.