quinta-feira, 14 de julho de 2016

76. Malicioso ou Maléfico


A sinopse do filme «The Conjuring 2 - A Evocação» reza assim:
«O novo thriller sobrenatural [...] traz uma nova história verídica saída dos arquivos dos reconhecidos Ed e Lorraine Warren, o casal especialista em casos paranormais.  [...] interpretam o casal Lorraine e Ed Warren que, numa das suas investigações mais aterradoras, viaja até ao norte de Londres para ajudar uma mãe solteira a criar quatro crianças numa casa assombrada por espíritos maliciosos». 
Site da NOS, 10 de julho de 2016.

A questão aqui são os espíritos maliciosos. Trata-se de uma tradução demasiado literal, e sem atender ao contexto, do inglês «malicious spirits». Seria mais adequado usar «maléficos», «malignos», «diabólicos» ou equivalente. É bem certo que a «malícia» - e a etimologia comprova-o - é definida pelos dicionários como tendência, inclinação, aptidão para o mal, mas não é menos certo que o seu uso consagrado é o de «segundo sentido» - ou mais referencialmente de «mau sentido» - do dito picante, do chiste, da provocação. Este mal é aqui o pecado, referenciado à moral judaico-cristã, e não tanto o mal como oposto de bem.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

75. Beneficiência e Beneficência


«Jogo de beneficiência em Odivelas», titulava o Diário de Notícias, a propósito de um jogo de angariação de fundoa para o antigo guarda-redes do Sporting, e que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Atlanta.

A forma correta da palavra é beneficência. Beneficiência não existe. Beneficência é a disposição para fazer o bem, praticar caridade e ajudar os outros. É sinónimo de benevolência, de filantropia, de bondade, de caridade, de ajuda. Trata-se de um erro frequente advindo da confusão com a palavra «ciência» ou eventualmente de «simpatia» com «benefício», já que beneficência é o «ato de fazer benefícios». O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa apresenta mesmo como sinónimo de benefício a expressão «espectáculo de beneficência». Bastaria, porém, um breve segundo de reflexão etimológica para se perceber da impossibilidade daquela palavra que provém do latim beneficentĭa. A quarta sílaba é, assim, «cênc» e não «ciên». O mesmo se passa com a palavra beneficente, cognata de «beneficência», que é escrita «cen» e não «cien».

sábado, 2 de julho de 2016

74. Fobia e Mania


Ao longo das marcações dos penáltis no jogo Portugal-Polónia, do dia 30 de junho, no Euro 2016:
«O canal de televisão espanhol Cuatro seguiu com uma câmara Cristiano Ronaldo ou não fossem eles ter essa fobia com o capitão português [...]».
Mais futebol, TVI24, 1 de julho de 2016, 23h08.

O que a jornalista queria dizer era a «mania», a obsessão, das televisões  espanholas com os comportamentos do capitão da seleção nacional e não a «fobia», ou seja, o medo exagerado, o pavor, do mesmo. A confusão entre fobia e mania é recorrente e agravada pelo facto de, como se percebe, os termos serem antónimos.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

73. Fatos e Factos


Bruno de Carvalho, acerca do jogador André Carrillo:
«A verdade dos fatos é que estava tudo acordado para a negociação do contrato, e de repente o jogador voltou atrás na palavra».
Expresso - Revista, 25 de junho de 2016, p. 33.

Em Portugal, na palavra «factos», o cê é claramente pronunciado, razão pela qual deve ser grafado. É portanto «facto» e não «fato». Ademais, situação é até expressamente prevista na Base IV do Acordo Ortográfico:
«c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção» (sublinhado nosso). 
O mesmo é dizer, escreve-se «facto» em Portugal e «fato» no Brasil. A situação, portanto, não se altera. 

Admito que a entrevista possa ter sido transcrita por um estagiário, ou similar, mas mesmo assim é fraca desculpa para tal descuido num jornal de referência.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

72. Política estrangeira e Política externa


A propósito do Brexit, tem sido divulgado à saciedade nas redes sociais e nos «media» um excerto de um vídeo da conhecida série britânica, «Sim, Senhor Ministro», no qual, a dado passo, se diz:
«A Inglaterra tem, há 500 anos, a mesma política estrangeira».
«Sim, Senhor Ministro», RTP Memória.

A expressão utilizada por Sir Humphrey Appleby, o sarcástico chefe de gabinete do ministro da Administração Interna inglês, é foreign policy, cuja tradução mais adequada seria «política externa» e não a mais literal «política estrangeira». Ainda que foreign também seja estrangeiro e essa até seja a aceção mais comum. Estaria bem se, por exemplo, se referisse ao Foreign Office, cuja tradução seria, então sim, Ministério dos Negócios Estrangeiros.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

71. Há e À


A propósito do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia:
«Urnas fecham às 22h00 e não haverá sondagem boca das urnas»
Jornal da Noite, SIC, 23 de junho de 2016.

A coexistência, na mesma frase e com grande proximidade, de dois tempos do verbo «haver» - «haverá» e «há» - poderia fazer soar as campainhas de alarme, mas não fez! Ali, teria de estar evidentemente «à», isto é, a contração da preposição «a» com o artigo definido «a».

segunda-feira, 20 de junho de 2016

70. A moral ou O moral


A propósito da presença da seleção no Euro 2016:
«Naturalmente, a moral está em alta».
RTP3, 18 de junho de 2016, 12h19.

Era inevitável que a propósito da seleção nacional lá viesse novamente «a moral» em alta, em lugar de «o moral» em alta. A frase diz respeito ao moral, ao estado de espírito,  ao ânimo, e não à moral , aos princípios e os valores que regem a conduta do homem.