sábado, 31 de outubro de 2015

23. Ciclo vicioso ou Círculo vicioso



O conflito atrai o conflito e isso torna-se um ciclo vicioso, nunca mais acaba. 
José Manuel Capristano, Record, 28 de outubro de 2015.

A expressão correta é «círculo vicioso» e não «ciclo vicioso». «Círculo vicioso» é a expressão usada para designar uma sucessão de factos que se repetem sem cessar e em que se volta sempre ao ponto de partida. A ideia de círculo é, aliás, suficientemente expressiva para intuir o seu sentido, sendo também usada em expressões com idêntico valor, tais como «raciocínio circular», por exemplo.
A expressão «ciclo vicioso» poderá ser uma corruptela de «circulo vicioso», quer pela semelhança fonética entre «círculo» e «ciclo», quer pela tendência lusa de enfraquecer ou mesmo não pronunciar as vogais átonas pós-tónicas de palavras esdrúxulas. Não raramente «círculo», dito apressadamente, soa como «ciclo». Acresce que a representação dos ciclos tende a ser efetuada através de esquemas circulares. Aliás, o elemento de composição «ciclo-», do grego kúklos, -ou, roda, exprime, também ele, a noção de círculo, como por exemplo em «hemiciclo».

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

22. Vão haver ou Vai haver



«Tenho a certeza absoluta que vão haver ainda equipas a perder muitos pontos».
Declarações de Rui Vitória após o Benfica-Sporting, RTP 1, 26 de outubro de 2015.

No domingo o dia correu manifestamente mal a Rui Vitória. Como se não bastasse o resultado do jogo também escorregou na conferência de imprensa. Não pode dizer «vão haver» equipas mas sim «vai haver» equipas. O verbo haver, no sentido de «acontecer ou existir», é impessoal, pelo que se conjuga sempre na terceira pessoa do singular. Neste caso, como é usado com um verbo auxiliar («ir»), é este que tem de ser colocado no singular, concordando assim com o verbo principal («haver»).

terça-feira, 27 de outubro de 2015

21. Recaiem ou Recaem



«José Sócrates [..] esgrimiu, numa sala com um público semelhante à de qualquer programa da manhã das estações de televisão generalistas, um ataque cego à Justiça e aos jornalistas sem dizer uma única palavra sobre os fortes indícios de corrupção, entre outros, que sobre ele recaiem [...]».
Felícia Cabrita, Sol, 24 de outubro de 2015.

A terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo «recair» é «recaem» e não «recaiem». Na melhor das hipóteses, «recaiem» poderia ser a terceira pessoa do plural do presente do conjuntivo ou do imperativo de um putativo verbo «recaiar», ou seja, «tornar a caiar».

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

20. Se tratam ou Se trata


«Claro que se tratam apenas de valores indicativos com base nas estimativas do PS [...]»
Expresso, Primeiro Caderno, de 24 de outubro de 2015, p. 5.

O verbo «tratar» sempre que acompanhado da preposição «de» é impessoal, pelo que não se flexiona no plural. No caso vertente não tem de concordar com «valores». A frase correta teria, pois, de ser: «Claro que se trata apenas de valores indicativos com base nas estimativas do PS [...]».

sábado, 24 de outubro de 2015

19. Inviezamento ou Enviezamento



«A coligação PSD/CDS foi a clara vencedora das eleições, mostrando que o divórcio violento entre o país e o governo ao longo de quatro duríssimos anos foi mais um inviezamento zarolho dos media do que uma realidade de facto».
Paulo Ferreira - 112 palavras a mais. Observador, 23 de outubro de 2015.

A palavra certa é «enviesamento», com «e» inicial e depois com «s», e não «inviezamento». A grafia é explicada pela etimologia da palavra: enviesar + -mento, sendo que «enviesar» provém de en- +  viés + -ar. Ou seja, a palavra tem o prefixo «en», iniciado por «e», e o elemento de composição «viés», terminado em «s». E não «i» e «z». Dois erros, pois, numa palavra só...

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

18. Desciplicente ou Displicente


«António Costa acusa Pedro passos Coelho, ou seja, a Coligação de ser desciplicente [...]»

É muito provável que aquele «desciplicente» possa ter sido uma dislexia, uma confusão momentânea de soletração. Ainda que me admire de, logo depois de dito, não ter sido detetado e corrigido. Seja como não é «desciplicente» mas sim «displicente», ou seja, a qualidade daquele que não se empenha ou que demonstra falta de zelo ou interesse.

sábado, 17 de outubro de 2015

17. Mais bem ou Melhor

«Os podologistas têm obrigação de estar melhor preparados [...]».

Aqui seria mais correto dizer «mais bem preparado» e não «melhor preparado». «Melhor» é comparativo de «bom»; «mais bem» é comparativo de «bem». Em «bem preparado», o advérbio (bem) faz «corpo» com o particípio passado (preparado). Há mesmo casos em que o advérbio «bem» e o particípio passado se chegam a unir graficamente, através de hífen, como acontece com: bem-fadado, bem-falado, bem-feito, bem-parecido, etc. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

16. Amadoreceu ou Amadureceu


Acerca do jogador André Carrillo: «Melhorou e amadoreceu».
A Bola, 13 de outubro de 2015.

O jogador do Sporting «amadureceu», não «amadoreceu». Etimologicamente, «amadurecer» provém de: «a- + maduro + -ecer». Foneticamente, aquele «u» pronuncia-se. O erro só pode advir da confusão gráfica com palavras como «amador» ou ser uma gralha.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

15. Do ou De o (2)


«A hipótese de largar o poder incomoda a Direita, a probabilidade do Bloco ou do PCP participarem numa solução aterroriza-os» 
Mariana Mortágua - «Adeus, Passos», Jornal de Notícias, de 13 de outubro de 2015).

Eis mais uma contração indevida do artigo «o» com a preposição «de», resultando em «do». Também aqui a preposição se relaciona com o verbo e não com o substantivo e introduz uma construção com infinitivo (participar), porém flexionado (participarem), sendo o que a distingue da anterior. A contração ali não pode ocorrer. 
Quase que poderia jurar que não há vez que «pegue» - ainda que virtualmente - num jornal que não detete este erro...

terça-feira, 13 de outubro de 2015

14. Do ou De o (1)


«A vez do Rui brillhar»
Record12 de outubro de 2015a propósito do jogo Sérvia-Portugal.

Nesta frase a contração do artigo «o» com a preposição «de», resultando em«do», não é correta. Teria de ser «A vez de o Rui brilhar» e não «A vez do Rui brilhar». 
Aquela preposição relaciona-se com o verbo e não com o substantivo e introduz uma construção com infinitivo (brilhar), pelo que a contração não pode ocorrer.
É infelizmente um erro muitíssimo comum e que aqui tem honras de título, em letras garrafais, sendo, como tal, (ainda) menos desculpável. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

13. Estremo ou Extremo


«Os peruanos já tinham perdoado o comportamento do estremo e as suas noitadas mas agora tudo pode mudar de figura».
Sapo Desporto, 11 de outubro de 2015.

Pode-se perdoar o comportamento do «extremo» do Sporting e da seleção do Peru, mas é quase imperdoável que se confunda «extremo» com «estremo». Extremo é um jogador que joga pelas faixas, pelas zonas laterais do campo. Estremo é a primeira pessoa do indicativo do verbo «estremar» que significa «delimitar», «demarcar», «balizar», sobretudo terrenos.
A confusão advém provavelmente da homofonia, já que «estremo» e «extremo» se pronunciam do mesmo modo, mas têm significados e escritas diferentes.

domingo, 11 de outubro de 2015

12. Disfrute ou Desfrute




«Colecione os 3 DVD e disfrute de conteúdos extra»
Anúncio de página inteira à coleção de DVD da série televisiva Downton Abbey, Expresso, Primeiro Caderno, 10 de outubro de 2015, p. 33.

É um erro comum este «disfrute». Deveria ser «desfrute». Etimologicamente: «desfrute» provém de «des-» + «fruto» + «-ar». É possivel que a corruptela advenha da pronúncia (dis-). Desfrutar é ali sinónimo de usufruir ou retirar benefício.

P.S. - Vale a pena referir, por honestidade intelectual, que o Dicionário dito de Morais refera também «disfrutar» como: «o m.q. desfrutar»... O que não é suficiente para o chancelar do ponto de vista da norma culta.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

11. Apresentamos ou Apresentámos


«[...] fisicamente não nos apresentamos nas melhores condições [...], mas penso que iniciamos bem a segunda [...]; apareceu [sic] esses dois golos [...] que acusamos; acusamos claramente esses dois golos [...]»
Sá Pinto em conferência de imprensa depois do FC Porto-Belenenses, TVI 24, Diário da manhã, 5 de outubro de 2015, 9h49.

Referindo-se a um facto passado, a uma ação inteiramente concluída, como é o caso, a forma flexionada dos verbos «apresentar», «iniciar» e «acusar» não deveria ser o presente do indicativo - «apresentamos», «iniciamos» e «acusamos» - mas sim o pretérito perfeito - «apresentámos», «iniciámos», «acusámos». 
Esta errónea presentificação do passado é um fenómeno recente e está cada vez mais presente no discurso mediático.  

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

10. Ter a haver ou Ter a ver


«[...] a tranquilidade tem a haver também com [...]»
Sérgio Conceição em conferência de imprensa depois do Sporting-Vitória de Guimarães, TVI 24, Diário da manhã, 5 de outubro de 2015, 9h45.

Este é um erro recorrente. «Tem a haver» é «tem a receber», pelo que na frase acima teria de ser «tem a ver», ou seja, «tem relação com; diz respeito a». Ou, em alternativa, «tem que ver».
Na verdade, por simplificação ou para eliminar alguma aliteração derivada do uso do «que», temos tendido a suprimi-lo do discurso, nalguns casos gerando confusão. «Ter que ver» foi sendo preterido em favor de «ter a ver», um galicismo que, com laivos de hipercorreção, se tornou forma preferencial.